16 maio 2013

Um passeio deslumbrante por terras de Idanha-a-Nova (3)

Tal como a subida, também a descida de Monsanto foi igualmente aos solavancos, com a agravante de que a velocidade era bem maior, dando uma certa adrenalina à coisa, sobretudo quando numa determinada parte do trilho empedrado nos deparámos com um burro atravessado na via a bloquear praticamente a nossa passagem.

Recordo-me que a senhora que levava o burro perguntou para o ar se “ainda lá vinham mais”. Ao que respondi que sim, que ainda faltavam alguns de nós. O desabafo da senhora foi esclarecedor: “Ai a minha vida.”

Foi uma descida intensa, muito técnica na parte final e que exigiu algum esforço físico dos trincas e do respectivo material, que sofreu bastante com a trepidação.

Foram minutos de grande divertimento e que nos colocaram numa cota bem mais baixa e na direcção da margem da albufeira da Barragem de forma a começarmos a contorná-la para completar o regresso ao parque de campismo.

Pelo meio teríamos ainda uma passagem por Idanha-a-Velha, a terceira e última aldeia histórica do dia. Muito bonita e tranquila e talvez, das três, a que tenha mais património arquitectónico romano e visigótico.

Além do mais, esta aldeia tem a particularidade de, na entrada Sul, ser banhada pelo rio Ponsul (que alimenta a Barragem de Idanha) que, perante a ausência de uma ponte, quase todos os trincas fizeram questão de atravessar pelo próprio pé, ou melhor pelas próprias rodas. Os restantes (julgo que eram só dois, onde eu me incluo) escolheram o modo mais civilizado para atravessar o rio: a famosa “passagem das poldras”. Ou seja, 43 pedras talhadas em forma de paralelepípedo, que estão cravadas no leito do rio Ponsul, ao alto, em linha quase recta e afastadas de modo a permitirem a circulação de peões, a passo largo, de uma para a outra margem. A grande maioria destas pedras é reaproveitada de materiais romanos.

Depois desta divertida travessia e em segurança na margem certa, já estávamos todos em modo de regresso, porque faltavam poucos quilómetros para o parque de campismo (mal sabíamos nós o que nos esperava).

E, efectivamente, minutos depois de termos deixado Idanha-a-Velha, seguindo o percurso definido no track, chegámos à entrada de um estradão que tinha uma tabuleta a indicar que faltavam, precisamente, oito quilómetros para o parque de campismo.

Pensamos nós que em pouco tempo estaríamos no nosso destino, para o Pirex preparar com calma o jantar e alguém ir comprar a vinhaça para acompanhar o chili.

Entusiasmados e descontraídos, acelerámos o ritmo de pedalada pelo estradão e lá fomos determinados a concluir o passeio em grande estilo, com o ar fresco de final de tarde a saber muito bem, depois de um dia com temperaturas elevadas.

O primeiro quilómetro já estava vencido quando, entretanto, passa por nós uma carrinha Mercedes antiga que nunca mais a vimos e cujo destino, viemos a perceber mais tarde, só poderia ter sido um único sítio, já que aquele estradão terminava abruptamente numa propriedade privada, literalmente vigiada com unhas e dentes.

Não se tratava de uma qualquer propriedade que tantas vezes atravessámos ao longo do passeio, onde um de nós vai abrindo e fechando aqueles portões ou vedações. Aqui tratava-se de algo completamente diferente e que nos meteu a conferenciar durante algum tempo, sobretudo por duas razões: 1º Não havia caminho alternativo; 2º. As placas de aviso colocadas no portão, a câmara de videovigilância, os focos de luz e a electrificação da vedação foram factores que nos fizeram pensar duas vezes antes de qualquer um de nós se aventurar para lá dos portões.

Perante tudo isto, optámos pela diplomacia, já que havia um contacto de telemóvel afixado no portão, para o qual liguei e alguém atendeu. Expliquei quem éramos, de onde vínhamos e para onde íamos, e pedi autorização para passar a propriedade, que nos levaria até à margem da albufeira da barragem. Aí seguiríamos o track até ao parque de campismo.

Depois de alguma conversa, sempre cordial, do outro lado do telemóvel deixaram-nos passar, mas avisando que poderíamos ter problemas com um outro vizinho de outra propriedade. Uma preocupação que depois teríamos, mas para já o nosso objectivo era atravessar aqueles portões. Com o sinal verde, informei o meu interlocutor que éramos nove bttistas. O que ele respondeu que dentro de alguns metros seríamos avistados.

A partir do momento em que cruzámos aqueles portões todos nós ficámos com a sensação que aquele local não era uma simples propriedade rural ou reserva de caça. Na verdade, devia ser tudo menos isso. Além de inúmeros blocos sabe-se lá de quê cobertos com plásticos escuros, estávamos perante um misto de parque fantasma com "disneylândia". 

De repente, uns metros à frente, vimos um motard, sozinho, que tão rápido apareceu como desapareceu. Ficámos com a sensação que veio apenas para nos vigiar.

No percurso vimos alguns veículos antigos, tipo ferro velho, outros com ar abandonado. Mas ao longe recordo-me de ver uma autocaravana mais recente. Vimos também algumas construções em madeira e por todo a propriedade encontrámos inúmeras estruturas metálicas, bizarras e esotéricas. Começámos a perceber que se tratava de um local de reunião daquelas correntes mais “flower power”, pacifistas, ecologistas, mas também psicadélicas, de festivais transe e afins.

Foi quando o João referiu oportunamente que devia ser o local que acolhe o Festival Boom. Entretanto, fiz umas pesquisas na internet e fiquei estupefacto com a dimensão internacional daquele acontecimento e do reconhecimento em termos de sustentabilidade.

À medida que íamos observando aquele local, ainda sem esta informação mais detalhada, fomos pedalando em direcção à margem da albufeira. Chegados lá, e já muito próximos do parque, continuamos a seguir o track no GPS, mesmo junto à água, até ao momento em que deixou de ser possível. 

Pelos vistos, quem gravou aquele track fê-lo numa altura em que a barragem estava com menos água, deixando mais margem a descoberto. Ora, como o Rui percebeu de imediato, o nosso percurso estava agora submerso, tornando impossível segui-lo. E o problema é que a densidade da vegetação da margem não nos permitia pedalar ou andar com a água à vista.

Tivemos que nos afastar da albufeira para tentar contornar toda a parte submersa para voltarmos a apanhar mais à frente o trilho. E assim fizemos. E foi aí que nos deparámos com a outra propriedade privada, que nos tinha sido referida na conversa telefónica que tínhamos tido.

Sem ninguém à vista, e desta vez sem avisos intimidatórios, avançamos pela propriedade adentro e dirigimo-nos à margem da albufeira, na esperança de retomar o percurso do GPS, mas rapidamente percebemos que era missão impossível. Nem sequer conseguíamos caminhar ao longo da água, tal a densidade da vegetação. 

Foi então que tentámos subir um pouco mais acima e percorrer a propriedade ao longo de uma vedação electrificada. Antes, teríamos que passar para dentro da vedação, porque só aí havia terreno desbravado. Renitentes (sabíamos lá nós se o dono do terreno não seria um maluco de carabina na mão) e como medida de recurso, recorremos a um pequeno portão da vedação ao qual acedíamos através de umas escadas periclitantes de madeira.

O João e o Zé foram os primeiros a subir e a abrir o portão, com muito cuidado, tendo em conta a electrificação de um cabo posterior, perante a qual tínhamos que nos baixar. A seguir subo eu e é quando nos apercebemos que há um cavalo à solta naquele espaço, bastante agitado e com cara de poucos amigos.

Com alguma agitação entre as hostes foi a vez da Tânia começar a subir as escadas de madeira, aguardando o Zé cá em cima para tentar ajudar. De repente o Zé apanha um choque, precisamente na altura em que a Tânia estava a contar com a sua ajuda para subir. O resultado foi assustador para quem viu de cima: a Tânia a desaparecer de costas lá para baixo.

Depois do pânico de todos, a Tânia levantou-se rapidamente e felizmente estava em perfeitas condições. Perante este incidente, abortámos de imediato a operação e decidimos voltar para trás.

Acabámos por chamar o dono da propriedade e pedir-lhe que nos deixasse atravessar pela zona mais segura e directa. E assim foi. Tratava-se de um estrangeiro, daqueles que escolhem Portugal para se isolarem do mundo, e que pretendem apenas estar em sintonia com a natureza. De tal forma, que mal passámos no átrio em frente à casa dele, deparámo-nos com uma arara lindíssima, que da cauda à cabeça tinha mais de um metro.

Por incrível que pareça, a partir daqui as coisas complicaram-se ainda mais, porque não houve forma de reentrarmos no percurso e nesta altura já admitíamos a possibilidade de escurecer connosco ainda no meio daqueles montes. Aquela zona é extraordinariamente isolada.

Pode dizer-se que durante algum tempo andámos perdidos, com as bicicletas à mão, no meio de vegetação e de percursos pedestres, sem conseguirmos encontrar um estradão ou um trilho de referência. Nesta altura, os três GPS existentes com o track gravado de pouco serviam. Perante esta indefinição, o Nuno acabou por definir uma estratégia simples, mas certeira, que nos colocou muito perto do estradão que nos iria tirar dali.

Entretanto, eu também recorri ao GPS do meu telemóvel, com o sistema Navigation, que utiliza mapas Google, e conseguimos ter uma ideia clara da direcção a tomar nesse mesmo estradão e quais as viragens que deveríamos fazer mais à frente. E assim foi.

Cansados e com mais de 80 quilómetros nas pernas e quase 1900 metros de acumulado, já passavam das 20h15 quando começámos a descer para a margem da albufeira, com o parque de campismo no nosso campo de visão e com um pôr-do-sol maravilhoso. A aventura chegava ao fim.

5 comentários:

Pirex disse...

Espera ai... chegava ao fim o tanas.
alias. deixa relembrar algumas coisas. Na noite anterior fiquei com os pés inchados. mas não fui o único. Até a garrafa de ginja desapareceu. No dia da volta, foi com muita dificuldade que alguns de nós (eu) começaram a pedalar. E pegando agora no "teu" fim de aventura, nós, ainda tivemos que tratar do chili, dar uma corrida a Idanha para procurar o vinho e um queijito...
Depois foi jantar, conversar, lembrar as aventuras e assistir (eu) com algum regozijo a um golo no minuto 91. Ah ah ah é uma longa conversa. Tão longa que acabei de ver uma repetição da cena mas agora ao minuto 93...
Este tema foi debatido na altura, mas por falta de combustivel, ficamos (eu e o João) a ver o resto a aterrar (pareciam o avião do benfica). Mas esta parte já não é novidade nas nossas voltas. Quem lá está sabe.
Abraço e muito chili para todos
Pirex

Alex disse...

Grande Pirex,
eu sabia que podia contar contigo para complementares o resto da história:)
Abraço
Alex

Tânia disse...

Tal não foi o repasto, que o Pirex foi promovido... agora é o Trinca-Bimby!!
E sim a ginja era muito boa não era João ;o)??
Acho engraçada a forma como viveste o final da volta...eheheh tiveste medo!!.... eheheh foi realmente uma cena do outro mundo :o)

Pirex disse...

Trinca-Bimby...
ele há com cada uma... ainda por cima vindo de uma gaja :)
tá bem... olhem aceito donativos para mandar fazer uma camisola nova :)

Ao menos espero que ninguém tenha apanhado uma caganeira eh eh eh

Tânia disse...

Pirex é um elogio!!! :) há aqueles que vão de fim-de-semana e levam a bimby ou vão ao restaurante, os trincas vão de fim-de-semana e levam o pirex :D eheh